quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Biu das Tapiocas


O som do telefone tarde da noite despertou o sono profundo de Cleide. Coração palpitava. Quem seria? Algo de muito grave?

 – Senhora, o seu carro é um Uno Mile prata Placa CZL  5469? 
- Sim.
- Ele foi achado aqui do lado do edifício Nova Clotilde.
- Mas eu moro nesse prédio e o deixei estacionado na frente dele.
- O problema parece que você deixou o freio de mão solto, e ele está do outro lado da rua. Outro veículo foi afetado, nesse caso, o meu.

Cleide, então, entendeu a situação. Desceu as escadas, pensando sobre como seria mais fácil ser homem nessas horas. Sentiu-se frágil, insegura. Imaginava todo o roteiro. Ouviria dois minutos de gritos até a perícia chegar e concluir o óbvio. Que o acidente realmente foi culpa dela. Teria que agüentar mil e um olhares recriminando o fato dela ter esquecido de acionar aquele estúpido pitoco da alavanca do freio de mão. Já estava com raiva por antecipação. “Esse fela da puta, deve ter uma mulher mal comida em casa e vem arrumar confusão pro meu lado”. Queria culpar o fabricante do carro. O maldito telefone. Então achou que tudo de ruim na sua vida tinha uma conexão comum. Os homens. Foram eles que inventaram as merdas do carros, são todos idiotas. Idiotas, que vivem num mundo paralelo. O maravilhoso mundo de Nelson Piquet.

Com o olhar de mulher braba, dois punhos cerrados, lábios que de tão firmes e fechados, mais pareciam um bico de pato, abriu a porta do prédio e foi em direção ao homem que a esperava ao lado de um fusca amarelo com as portas amassadas. 

- Minha senhora, eu adoro mulher com os bicos do peito rosados, mas faça o favor de levantar um pouco seu vestido.

Puta que pariu! Havia saído com tanta raiva e desespero que simplesmente se esqueceu de trocar a camisola. Porém, pensou rápido. Caralho, não perde a pose. 

- Meu senhor, me desculpe pelo ocorrido, mas a essa hora da madrugada não terei como esperar a perícia chegar. Sou professora e amanhã tenho aula às sete da manhã. Mas como você viu, eu moro aqui na frente. Deixo meu telefone e amanhã você resolve tudo com a seguradora.

- Veja bem, o problema meu é o seguinte. Eu dependo desse carro para pegar o material do meu trabalho. Tenho uma banca de tapioca e logo cedo tenho que passar na Ceasa e comprar coco e farinha. Minha mulher faz as tapioca em casa e saio às cinco da tarde pra vender na faculdade ai da frente. Se a senhora fizer o favor de me deixar usar o seu telefone pra eu avisar pra Vando meu cunhado pra ele vim me pegar aqui e me emprestar o carro dele, é nenhuma. Agente resolve depois.

- Tá

Ressabiada por está sozinha teve que se garantir pelo instinto. Calmamente, entrou no carro, estacionou no lugar de sempre. Puxou forte o freio de mão. Vingança.

Pode entrar. Olhou pra seu Manuel, o porteiro. Ele fez um sinal com a cabeça, como quem diz, “qualquer coisa é só gritar”. Caminhou até o seu apartamento. O telefone ficava no balcão da cozinha. Ela abriu a porta de serviço, entrou seguida pelo homem das tapiocas.
Ele a olhava de cima a baixo. 

- Alô, Vandu. Sou eu. Biu.
- Ó uma dona aqui bateu no meu carro, tou aqui na casa dela ai vem me pegar pra amanhã eu levar logo cedo na oficina.
- É muito.
- Tá bom. Se preocupe não, só avise a Zélia que não vou dormir em casa então que vou levar o carro na oficina e amanhã apareço lá virado.

Deu um sorriso safado e desligou o telefone.
- Dona, a senhora vai me quebrar um galho. Me dê 30 reais pra eu pegar um taxi até a oficina. Eu tinha me programado de ir pra casa já, minha mulher tá me esperando lá. E sabe o que é Dona. Que tenho que comer minha mulher todo dia, senão ela me reclama. E a senhora? Seu marido deve tratar bem a doutora.

Surpreendida com a súbita intimidade, Cleide laconicamente respondeu:
- Eu não tenho marido.

- Mas dona, a senhora me desculpe, mas o que uma mulher gostosa como você tá fazendo sozinha por ai. Se eu fosse seu macho eu tava essa hora te enrabando e depois te chupava a noite toda.

As palavras “enrabando” e “chupava” foi como duas gotas de vinho num copo de água. Lentamente iam se espalhando e esquentando a transparência frígida de sua pele. Na hora imaginou aquele sujeito de bigode, penetrando a sua língua bem ao fundo de sua carne. Praticamente bigode com bigode.

Foi ai que ela resolveu virar o jogo. Fechou a porta da cozinha e agarrou o vendedor das tapiocas pelo braço. Comeu ele de tudo que é jeito. Ela mordeu, bateu, apertou, arranhou e gritou. Tão alto que seu Manuel pensou por um instante em chamar a polícia. Mas só por um instante, pois logo reconheceu com uma ponta de inveja que aquela gritaria não parecia ser de medo. Era felicidade.

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